Onde me encontro

Sunday, February 8, 2015

Quinta-feira passada eu passei a manhã inconformada pela morte do poeta Manoel de Barros. Pensei comigo que se estivesse no Facebook eu provavelmente teria acompanhado tudo sobre a sua passagem. E sem precisar fazer qualquer esforço, como se um nome puxasse o outro, eu fiquei a pensar no meu avô. Também de Campo Grande. *Surfista* das terras vermelhas, dos campos gerais. E fui tomada por uma grande tristeza.

A contemplar o silêncio.

Eu pensei que ele fosse viver pra sempre... Então tomei sentido, depois de teimosa análise, que as águias não vivem para sempre. Nem as tartarugas e baleias. Tampouco os elefantes e lobos. E todas as espécies que transmutam pela terra. E por fim as estrelas. Nem elas.
E foi como um trovão. Um trovão de sangues e células em ebulição que me reviraram por dentro e me colocaram sentada. Queriam que eu me comportasse feito boa moça para eu escutar que a morte não se adia, que ela - em seu estado físico, breve, perene - vem pra todos. Até para a pequena formiga. Mas que o espírito transcende. T r a n s - s e n t e.

Em matéria de se comportar eu bem que me esforço mas depende da gaiola e promessa de vôo. E naquela mesma quinta-feira soube que o meu avô havia sido internado. Soube do que eu já sabia pelas vias do coração. E não por acaso, sincronias poderosas, recebi uma verdade épica em forma de Guimarães Rosa, a seguir.

Páramo

Sei, irmãos, que todos já existimos, antes, neste ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seria mais que o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem ressuscita ao primeiro dia.

Contudo, às vezes sucede que morramos, de algum modo, espécie diversa de morte, imperfeita e temporária, no próprio decurso desta vida. Morremos, morre-se, outra palavra não haverá que defina tal estado, essa estação crucial. É um obscuro finar-se, continuando, um trespassamento que não põe termo natural à existência, mas em que a gente se sente o campo de operação profunda e desmanchadora, de íntima transmutação precedida de certa parada; sempre com uma destruição prévia, um dolorido esvaziamento; nós mesmos, então, nos estranhamos. Cada criatura é um rascunho, a ser retocado sem cessar, até à hora da libertação pelo arcano, a além do Lethes, o rio sem memória. Porém, todo verdadeiro grande passo adiante, no crescimento do espírito, exige o baque inteiro do ser, o apalpar imenso de perigos, um falecer no meio de trevas; a passagem. Mas, o que vem depois, é o renascido, um homem mais real e novo, segundo referem os antigos grimórios. Irmãos, acreditem-me.

Não a todos, talvez, assim aconteça. E, mesmo, somente a poucos; ou, quem sabe, só tenham noção disso os já mais velhos, os mais acordados. O que lhes vem é de repente, quase sem aviso. Para alguns, entretanto, a crise se repete, conscientemente, mais de uma vez, ao longo do estágio terreno, exata regularidade – de sete em sete, de dez em dez anos. No demais, é aparentemente provocado, ou ao menos assinalado, por um fato externo qualquer: uma grave doença, uma dura perda, o deslocamento para lugar remoto, alguma inapelável condenação ao isolamento. Quebrantado e sozinho, tornado todo vulnerável, sem poder recorrer a apoio algum visível, um se vê compelido a esse caminho rápido demais, que é o sofrimento. Tenhamo-nos pena, irmãos, uns dos outros, reze-se o salmo Miserere. Todavia, ao remate da prova, segue-se a maior alegria. Como no de que, ao diante, vos darei notícia.

***

Depois que a gente lê um Rosa, fica que nem miserável após ter a fome saciada. Fica em plenitude. Desta vez foi como se a plenitude conversasse comigo. E ficamos assim por dias. E também a morrer um pouco. Dando sentido e sentindo conforme o tempo e o espaço. E com tantas sincronicidades acontecendo eu apenas tentava levar o substrato das coisas e cuidados essenciais para comigo marido casa e os pequenos. Tem sido assim, tenho cozinhado porque é preciso, sem paixão nem curiosidade. O todo o resto segue assim sobe e desce como num vale. O vale das realidades. As notícias que desde então recebi não são boas. E a distância não ameniza nem conforta. Sigo me despedindo aos poucos ainda sem conseguir proferir um "viva" por tudo o que representa em minha vida.

A essência do ser

Na mesma quinta-feira o David insistiu em me contar que dentro de nós mora um "fantasma" que não nos deixa morrer... eu não havia comentado sobre o bisavô ainda e por isso a sua afirmação me causou um grande impacto. Não se discute com ele realmente. Então na segunda-feira quando eu finalmente contei que o bivô estava muito doente ele me disse que ele ia ficar "bem bem bem velho e depois ia virar bebê tudo de novo". Renascimento. Foi o meu filho me dando uma grande lição sobre a vida. E a nossa conversa encerrou por ali com ele pedindo o celular emprestado e eu desejando ter a sua presença de espírito entre uma lágrima e outra.

2 comments:

  1. querida Isa, eu nao conheci nenhum avô ou avó, mas perdi meu pai em outubro e desde então carrego uma tristeza muito estranha dentro de mim. Muito lindas as palavras do Rosa e do David. Vou enviar seu texto pra minha mãe e pra meus irmãos. Espero que tudo corra bem com o seu avô. Fica bem. Um beijo!

    ReplyDelete
  2. Querida Fer, sinto muito pelo passagem do seu pai. A gente fica em estado de suspensão, não é. Muito obrigada pela mensagem e pelo carinho. Beijos!!

    ReplyDelete

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...